A instabilidade patelar (incluindo a luxação da patela ou luxação patelar) é uma condição relativamente comum que afeta o joelho, levando a sensações de “joelho escapando” ou “saindo do lugar“, geralmente acompanhadas de dor importante.
Neste artigo vamos explorar, de modo completo, o que é a instabilidade patelar: suas diversas formas, causas, sintomas e opções de tratamento.
Dr. Marcos Mestriner
Ortopedia e Traumatologia Especialista em Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
- Mais de 10 Anos de Experiência
- Formado e especializado em Cirurgia do Joelho pela Santa Casa de São Paulo
- Pós-Graduado pela UNIFESP
- Membro do Grupo de Joelho e do Grupo de Trauma Ortopédico da Santa Casa de São Paulo
- Membro da SBOT e da SBCJ
- Autor e coautor de diversos artigos científicos
O que é Instabilidade Patelar? E Luxação da Patela?
Para entendermos melhor esse assunto, é importante iniciarmos com a definição de alguns termos:
Instabilidade
O termo “instabilidade” na Ortopedia refere-se a uma sensação (também chamada de sintoma) que o paciente conta para o médico a respeito de sua articulação – ele refere que sente o “joelho frouxo” ou que ele “sai e volta para o lugar”, por exemplo.
Esse sintoma de instabilidade pode acometer outras articulações além dos joelhos, como os ombros e os tornozelos, por exemplo.
Luxação
Já o termo “luxação” refere-se a um episódio de “desencaixe” dos ossos que formam uma articulação – na linguagem médica, dizemos que houve perda da congruência articular.
Esse “desencaixe” é um episódio geralmente bastante doloroso e que impede o paciente de movimentar ou mesmo de apoiar a articulação.
Praticamente todas as articulações podem sofrer luxações: ombros, quadris, tornozelos, dedos, joelhos, etc.
É possível que ocorra apenas uma alteração parcial da posição entre os ossos de uma articulação, sem ocorrer um desencaixe completo – a essa situação damos o nome de “subluxação”.
Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
A patela (antigamente chamada de rótula) é o osso localizado na frente do joelho.
Ela desliza em um sulco chamado de tróclea localizado na parte frontal do fêmur (o osso da coxa), sempre que você dobra ou estende o joelho. Essa articulação entre a patela e o fêmur é chamada de articulação patelo-femoral – que compõe a parte da frente da articulação do joelho.
A instabilidade patelar ocorre quando a patela não se move corretamente dentro desse sulco do fêmur (a tróclea), causando uma sensação de frouxidão, desconforto ou até mesmo dor.
Quando a patela desencaixa completamente da tróclea (o sulco do fêmur), dizemos que houve uma luxação da patela – em geral, esse episódio é bastante doloroso e causa imediata incapacidade de o paciente continuar a atividade que estava realizando naquele momento (andar, correr, praticar esporte, etc).
Dessa forma, podemos dizer que uma Luxação da Patela é a forma mais grave de uma Instabilidade Patelar.
Aqui estão mais algumas definições de termos muito utilizados na prática médica:
- Primo-luxação: primeira vez que a patela saiu do lugar.
- Luxação recidivante: Quando a patela já saiu do lugar várias vezes.
- Luxação habitual: Quando a patela sai do lugar toda vez que o paciente movimenta o joelho.
- Luxação inveterada: Quando a patela fica fora do lugar de forma definitiva.
Sintomas da Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
Os sintomas da instabilidade patelar podem incluir:
- Instabilidade: A sensação de que o joelho está prestes a “sair do lugar” ou que ele “falseia” durante movimentos mais rápidos e de mudança de direção (como ao correr, saltar ou ao jogar futebol, por exemplo).
- Dor no Joelho: Dor na região da frente do joelho, especialmente ao dobrar ou estender a perna, e que piora com sobrecargas (como escadas ou levantamentos de peso, por exemplo).
- Inchaço: O joelho pode inchar devido ao processo inflamatório agudo (lesão do ligamento patelo-femoral medial) ou a um processo inflamatório crônico, causado por quadro de condropatia ou desgaste anormal da articulação. Também chamado de “derrame articular”.
- Estalos ou Crepitação: Ruídos estranhos, que são palpáveis e que podem chegar a ser audíveis, ao movimentar o joelho.
- Fraqueza Muscular: A instabilidade patelar geralmente leva uma perda de força significativa no lado afetado, principalmente na parte da frente da coxa (músculo quadríceps).
- Ansiedade/ Insegurança/ Apreensão: A instabilidade patelar, especialmente na sua forma mais grave (luxação da patela), geralmente causa muita ansiedade e apreensão, levando o paciente a se afastar/ evitar atividades físicas mais intensas, com medo de que um novo episódio ocorra a qualquer momento.
Causas da Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
A instabilidade patelar (e consequentemente a luxação patelar) pode ser causada por vários fatores:
- Alterações Anatômicas: Podem existir alterações na forma e na posição dos ossos, o que acaba por gerar uma tendência para que a patela não deslize adequadamente sobre o fêmur.
- Fraqueza Muscular: Músculos fracos e desequilibrados ao redor do joelho podem não fornecer suporte adequado à articulação patelo-femoral.
- Lesões Prévias: Traumas prévios no joelho podem danificar os ligamentos ou outras partes da articulação patelo-femoral, levando à instabilidade.
- Fatores Genéticos: Algumas pessoas podem ter uma predisposição genética para a instabilidade patelar, como no caso de uma hiperfrouxidão ligamentar – condição na qual a pessoa apresenta os ligamentos naturalmente mais frouxos.
Dentre os fatores citados, as alterações anatômicas são consideradas as mais importantes, por isso vale a pena as explorarmos mais a fundo:
Displasia da Tróclea (ou Displasia Troclear)
É a alteração anatômica mais frequente nos pacientes com instabilidade patelar e luxação da patela.
A displasia troclear ocorre quando existe uma alteração da forma da tróclea (o sulco do fêmur onde a patela encaixa).
Essa displasia pode ser classificada em quatro tipos, sendo que o tipo A – onde a tróclea é mais “rasa” que o normal – é o tipo mais comum.
Aumento do Ângulo “Q”
O ângulo “Q” diz respeito ao alinhamento do chamado aparelho extensor – nome dado ao conjunto dos músculos, tendões, ligamentos e ossos (patela e tíbia) – responsável por realizar o movimento de esticar o joelho.
O aumento desse ângulo “Q” indica um aumento das forças que podem levar à instabilidade patelar e luxação da patela.
Aumento da Distância entre a Tuberosidade da Tíbia e o Fundo da Tróclea (TA-GT)
A tuberosidade da tíbia é o local onde se insere o ligamento patelar (também chamado de tendão patelar) – estrutura que liga a patela à tíbia (osso da perna).
Quando a posição dessa tuberosidade se encontra muito lateral (ou seja, muito “para fora”) em relação ao fêmur, ocorre um aumento das forças que podem levar a luxação e à má articulação da patela.
Essa distância pode ser medida, geralmente através de um exame de tomografia, e a ela damos o nome de TA-GT (sigla que significa “tuberosidade da tíbia – fundo da tróclea”).
Portanto, uma medida do TA-GT aumentada é uma importante alteração anatômica do joelho que pode contribuir para a instabilidade e luxação patelar.
Aumento da Altura Patelar
A posição da patela em relação ao fêmur – chamada de “altura patelar” – também é um fator anatômico importante a ser considerado num caso de instabilidade patelar, uma vez que uma patela alta é um importante fator de risco para a ocorrência de instabilidade e luxação da patela.
Aumento da Inclinação (“Tilt”) Patelar
O aumento da inclinação da patelar (tilt, em inglês) em relação ao fêmur, observada nos exames de imagem, é um importante indicativo de um desequilíbrio entre as estruturas da parte lateral (“de fora”) e medial (“de dentro”) da articulação patelo-femoral, que trabalham para manter a patela articulando de modo saudável com o fêmur.
Quando as estruturas laterais estão mais tensas e as mediais mais frouxas, causando um aumento do tilt patelar, ocorre um desequilíbrio de forças que contribui para a instabilidade e luxação patelar.
Alinhamento em valgo dos membros inferiores
O alinhamento dos membros inferiores varia de pessoa a pessoa.
Esse alinhamento pode ser calculado em graus através de exame de radiografia, podendo ser classificado como neutro (alinhado), em varo (“joelhos para fora”) ou em valgo (“joelhos para dentro”, ou em “X”).
Os joelhos com alinhamento em valgo aumentado (ou seja, com grau elevado) acabam por gerar forças anormais sobre a articulação patelo-femoral, o que pode aumentar o risco de instabilidade patelar e luxação da patela.
Rotação anormal dos membros inferiores
Em alguns casos, pode haver uma rotação anormal tanto do fêmur (osso da coxa), quanto da tíbia (osso da perna), como se esses ossos estivessem “torcidos”, o que pode dificultar o movimento e encaixe da patela sobre o fêmur e causar uma tendência maior para instabilidade e luxação da patela.
Isso acontece quando, no fêmur, há aumento da rotação interna (“torção para dentro”) e, na tíbia, quando há aumento da rotação externa (“torção para fora”).
O aumento da rotação interna dos fêmures pode gerar “patelas estrábicas“, que parecem estar “olhando” uma em direção à outra.
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Tratamento da Instabilidade Patelar e da Luxação da Patela
O tratamento da instabilidade patelar e luxação da patela é bastante variado e depende de vários fatores:
- Gravidade dos sintomas: aqui considera-se a intensidade da dor, a intensidade da apreensão/ insegurança em relação ao joelho e o número de episódios de luxação.
- Severidade das alterações anatômicas (displasias – descritas logo acima).
- Idade – por exemplo: quanto mais jovem é o paciente quando acontece a primeira luxação da patela, maior o risco de elas se tornarem repetitivas (recidivantes) ao longo da vida.
- Esporte praticado e nível de atividade
- Profissão
- Presença ou não de condropatia ou artrose (desgaste articular)
Na instabilidade patelar, a compreensão precisa da anatomia e mecânica articular de cada paciente é muito importante para que o ortopedista possa definir a melhor estratégia de tratamento.
Nesses casos, portanto, para a identificação e correção das possíveis alterações anatômicas (displasias), descritas acima, a realização de múltiplos exames de imagem é essencial.
São eles:
- Radiografias
- Tomografia Computadorizada
- Ressonância Magnética
Portanto, fica clara a importância de uma avaliação criteriosa caso-a-caso para a indicação da melhor estratégia de tratamento.
Tratamento Conservador (Não-Cirúrgico) da Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
De modo geral, quando estamos lidando com um paciente com instabilidade patelar leve (que nunca teve uma luxação da patela ou que, no máximo, apresentou apenas um episódio) e com alterações anatômicas (displasias) discretas, indicamos o tratamento não-cirúrgico (também chamado de tratamento conservador).
O tratamento conservador da instabilidade patelar e de uma luxação isolada da patela é basicamente realizado com Reabilitação através de Fisioterapia, no qual exercícios para fortalecimento e reequilíbrio muscular são realizados para se estabilizar a patela e melhorar a mecânica da articulação patelo-femoral.
É comum também a utilização de imobilizadores e joelheiras (chamadas de órteses) que podem auxiliar na melhora da mecânica articular e no controle da ansiedade do paciente em relação ao seu joelho (diminuem aquele “medo” da patela sair do lugar).
Aqui, as bandagens (taping), realizadas geralmente por fisioterapeutas ou quiropratas, também podem ser utilizadas.
Tratamento Cirúrgico da Instabilidade Patelar e Luxação da Patela
Nos casos de instabilidade patelar grave (múltiplas e frequentes luxações da patela, por exemplo), em pacientes com alterações anatômicas (displasias) importantes observadas nos exames de imagem, geralmente o tratamento cirúrgico é o mais indicado.
Além disso, pacientes que já tentaram de modo adequado e por tempo considerável o tratamento conservador e não tiveram sucesso – ou seja, continuam com dor ou apresentaram novos episódios de luxação da patela – geralmente também são indicados para tratamento com cirurgia.
Existem diversas cirurgias para tratamento da instabilidade patelar e luxação da patela, sendo que a escolha de um ou mais procedimentos, em cada caso específico, vai depender dos diversos fatores descritos acima (gravidade dos sintomas, idade, severidade das alterações anatômicas do joelho, etc.).
A seguir, vamos conhecer um pouco sobre as cirurgias mais realizadas nos casos de instabilidade patelar e luxação da patela.
Reconstrução do Ligamento Patelo-Femoral Medial (LPFM)
Com a luxação da patela, ocorre lesão do ligamento patelo-femoral medial (LPFM), responsável por “segurar” a patela em seu local adequado.
Embora esse ligamento possa cicatrizar após um primeiro episódio (primo-luxação), nos casos de onde vários episódios de luxação ou instabilidade já aconteceram ele encontra-se alongado e insuficiente (“frouxo”).
Por esse motivo, é muito comum a indicação de uma cirurgia onde o Ortopedista refaz esse ligamento – a esse tipo de cirurgia chamamos de RECONSTRUÇÃO.
Liberação lateral (lateral release)
Os tecidos que seguram a patela sobre o fêmur, localizados na parte da frente do joelho, são chamados de retináculas, sendo a retinácula lateral localizada mais “para fora” e a retinácula medial mais “para dentro”. Inclusive, o ligamento patelo-femoral medial (LPFM), descrito no item acima, é considerado como um componente da retinácula medial.
Na instabilidade patelar crônica e após múltiplos episódios de luxação da patela, além da frouxidão da retinácula medial, ocorre um tensionamento excessivo (encurtamento) da retinácula lateral.
Por isso, no tratamento cirúrgico da instabilidade patelar e luxação da patela, é muito comum a necessidade da liberação lateral – procedimento onde o ortopedista realiza uma incisão na retinácula lateral para deixá-la mais frouxa.
Osteotomias da Tuberosidade da Tíbia
Na instabilidade patelar e luxação da patela, quando há alteração significativa do ângulo Q e do TA-GT (descritos mais acima), é comum a necessidade de um procedimento cirúrgico onde realiza-se uma osteotomia da tuberosidade da tíbia (chamada também de “TAT”).
Nessa cirurgia, realiza-se um corte ósseo (uma “fratura” criada pelo próprio ortopedista, cujo nome técnico é OSTEOTOMIA) para mover a TAT para uma posição mais adequada e com isso permitir a melhora da movimentação da patela sobre o fêmur.
Após o reposicionamento da TAT, ela é fixada em sua nova posição com auxílio de parafusos.
Trocleoplastia
Quando a tróclea – que é a parte do fêmur que se articula com a patela – apresenta um formato muito alterado (ou seja, com uma displasia grave), pode ser necessária uma trocleoplastia – um procedimento no qual o ortopedista consegue melhorar a forma da tróclea para permitir que a movimentação da patela sobre ela seja mais adequada.
Osteotomias do Fêmur e/ou da Tíbia
Quando os ossos longos que formam o joelho (fêmur e/ou tíbia) encontram-se com suas rotações muito alteradas, isso pode afetar a articulação patelo-femoral e contribuir para a instabilidade patelar e luxação da patela.
Nestes casos, pode ser necessária uma osteotomia derrotativa – um procedimento cirúrgico no qual o ortopedista consegue melhorar a posição e rotação dos ossos.
De modo similar, quando o joelho apresenta um alinhamento em valgo exagerado, pode ser necessária uma osteotomia para correção desse alinhamento (chamada de osteotomia varizante) e melhora da movimentação da patela sobre o fêmur.
Tratamento Das Lesões de Cartilagem
É comum que lesões de cartilagem (também conhecidas como lesões condrais ou osteocondrais) da patela e/ ou do fêmur estejam associadas à instabilidade patelar e à luxação da patela.
Nesses casos, é geralmente indicado algum procedimento cirúrgico para tratamento específico dessas lesões, a depender do seu tamanho, local, sintomas, tempo desde seu aparecimento etc.
Os procedimentos cirúrgicos mais comuns para tratamento das lesões de cartilagem são:
- Fixação de fragmentos soltos de cartilagem
- Transplante osteocondral autólogo (também conhecido como “mosaicoplastia”)
- Transplante osteocondral homólogo (no qual utiliza-se tecido de doador)
- Microfraturas e Nanofraturas
- Utilização de membranas de colágeno – conhecida atualmente pela sigla em inglês “AMIC”.
- Transplante de condrócitos (que são as células da cartilagem) – conhecida atualmente pela sigla em inglês “MACI”.
Conclusão
A instabilidade patelar é uma condição que pode aparecer de diversas formas, além de afetar pessoas de todas as idades.
Se você suspeitar de instabilidade patelar ou estiver experimentando sintomas, é importante procurar orientação médica – Um ortopedista especialista em joelho pode avaliar sua condição, estudar bem o seu caso e recomendar o melhor tratamento para você.
Com o tratamento adequado, a maioria das pessoas é capaz de recuperar a estabilidade do joelho e aliviar os sintomas associados à instabilidade patelar e à luxação da patela.
Não deixe de cuidar do seu joelho para manter uma vida ativa e com qualidade.
Fonte:
- Patellar Instability – NIH
- Patellar Instability – Cleveland Clinic
- Patellar Instability – Knee & Sports
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Dr. Marcos Mestriner
Ortopedia e Traumatologia
Especialista em Cirurgia do Joelho
- Mais de 10 anos de experiência tratando lesões do joelho
- Formado e especializado em Cirurgia do Joelho pela Santa Casa de São Paulo
- Pós-Graduado pela UNIFESP
- Membro do Grupo de Joelho e do Grupo de Trauma Ortopédico da Santa Casa de São Paulo
- Membro da SBOT e da SBCJ
- Autor e coautor de diversos artigos científicos